Não dá

Ingenuamente estou a comemorar esta maravilhosa insónia, pois resolvi novamente escrever para ti.

Perdi-me na praia, perdi a minha aliança, perdi o amor, encontrei uma liberdade diferente, tirei calmamente cada peça do meu magoado corpo com todo o cuidado para não o ferir mais, e entrei no mar subtilmente mas de uma só vez. E lá no fundo do mar consigo harmonizar-me contigo e sentir aquela brisa gelada das ondas ténues que me enchem o coração de gotas salgadas e pesadas, enquanto saiu do mar. Passeio descalça por entre aqueles grãos que me aquecem as mãos e chamam por ti, como quem chama pelo sol num dia de chuva intensa e fortificada.
Sinto a tua falta, mas jamais me irás ouvir dizer isso. Sou apaixonada o suficiente para guardar isso só para mim, porque o meu orgulho não autoriza que voltes, mas o meu coração só quer ficar contigo. 

Mas não dá.

Não dá para continuar a adormecer no teu colo no sofá e despertar nos teus braços agarradinhos e quentinhos a respirar para o teu peito na tua cama.
Não dá para continuarmos os dois a fumar um saboroso cigarro naquelas conversas infindáveis de horas a fio na tua varanda até o ligeiramente sol nascer e os teus vizinhos despertarem para irem trabalhar.
Não dá para continuar a confecionar os deliciosos grãos de arroz que tu tanto amaste.
Não dá para continuar o nosso plano poético das sextas que se tornou irrecusável.
Não dá para não assistir à minha série na tua casa sempre depois das aulas.
Não dá para às terças e quintas, pelas 08:2e pouco, naquela rua estreita e melódica, eu ir a deslizar para ti e pular para o teu colo robusto onde te beijo suavemente.
Não dá para continuarmos a tomar banho os dois e enxugarmos o cabelo perfumado em separado.
Não dá para fazer aquela carinha de chateada que tu tanto pedes.
Não dá para sentir mais aquele aroma tão teu que me dá a volta ao pensamento e ao corpo.
Não dá para continuar a ir para aquele terraço onde estão tão memoráveis momentos e tantas estrelas cintilantes.
Não dá para voltar mais ao spot que eu rubriquei.
Não dá para passar naquele túnel ruidoso e ter que bater naquilo com a aliança.
Não dá para tirar a aliança, ela não sai.
Não dá para eu permanecer. Não dá para dizer que te amo.
Não dá para continuar a fazer a tua casa da nossa.
Não dá para me continuar a perder nas horas, nas conversas, nos beijos, em nós.
Mas no meio de tanto não dá, só penso em tudo o que poderia dar e não deu.

Nesta altura de outono, a esta praia costuma ser fria, eu já devia estar a gelar, mas ao reviver tudo o que já vivi ao teu lado, tudo o que já aqui compus e tudo o que ainda guardo para mim, sinto-me quente e com saudades de ti.
Tira todos os nãos que eu escrevi, e lê novamente. Porque juntos tudo dá.
Apaixonas-me e é essa paixão que me faz querer sempre mais de ti.
Toma conta de mim.


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