Regresso silenciosamente a casa. Subo as intermináveis escadas enrugadas, e
desabo sobre as movíeis almofadas colossais que instalei no teu lado da cama, arrasto
quase por obrigação os íntimos lençóis que tu outrora colocavas tenuemente para
trás. Jamais ponderei que um descomplicado hábito para adormecer fosse capaz de
ser tão maldoso para com o meu apaixonado coração despedaçado, ou de tu seres o
melhor até em pequenos factos. Os teus corpulentos braços aromatizados pela fragrância
do meu batom eram as minhas ternas almofadas e o teu frágil corpo morno os meus
lençóis gelados, os teus lábios secos adormeciam-me contado fio a fio do meu infindável
cabelo loiro nº8, enquanto as tuas mãos percorriam cada trilho do meu rosto.
A tua ausência fere cada poro dos meus lábios, cada palpitação do meu
coração. Sem ti quase que me empurro de uma falésia só para cair num sono
profundo.
O tempo não para mesmo quando nós paramos. O tempo não abranda mesmo quando
nós prometemos não demorar.
E o meu problema é acreditar que o para sempre continua a não ser muito
tempo.
E ingenuamente acreditar que tu estarias disposto a ficar comigo
apaixonadamente durante uma pequena eternidade que poderíamos desfrutar melhor
do que um interminável para sempre.
Finalmente adormeço calmamente. E em sonhos tentadores consigo ver-te
chegar perto de mim. Consigo ver a tua expressão serena, longínqua e envergonhada.
O teu cabelo natural e despenteado, aventuraria dizer que tinhas acabado de
acordar de um sono profundo e remexido. Mas não passava tudo de um desgostoso sonho
milagroso que me baloiçou num sono perfeitamente profundo, e nele conquistei as
cavidades mais cerradas do meu infindável coração fragmentado. Demoradamente sem
vacilar, lançaste-me sorrateiramente um sorriso resplandecente e provocante.
E aí perdi-me ligeiramente. Deixei-me esquecer de tudo o resto e mordi de
novo os teus lábios. Permanecemos desaparecidos em sonhos incógnitos, baloiçados
por um ruído escassamente cativante, contudo não era isso que me inquietava,
eras tu. Sim tu. Incomodava-me a maneira de como mexias comigo, de como te rias
constantemente de tudo o que eu inventava nos grãos de areia, de como me arrancavas
do sério silentemente, e me tranquilizavas só respirando próximo do meu coração,
da habilidade surpreendente que me fazias espalhar creme nas tuas pequenas ásperas
mãos, da confiança que me transmitias só olhando-me nos olhos, do modo de como
me agarravas só com um braço e me erguias. E percebes agora porque é que me inquietava?
Porque eu adorava.
Adorava poder escrever sobre ti, adorava poder narrar-te em palavras que poetizassem
enquanto as dito ao teu ouvido, adorava poder conhecer cada cicatriz do teu corpo,
cada ressentimento da tua alma, cada ferimento do teu coração e poder sarar-te.
Adorava saber de cor o sabor dos teus lábios, poder morder-te, tocar-te, e
permanecer ali, no silêncio do calor dos nossos corpos. Jamais queria que
fosses meu, apenas que ficasses comigo. E é por isto tudo e algo mais que não
te posso voltar a ver. Tenho receio de te desejar mais do que aquilo que te
posso ter. Serei sempre uma romântica clássica que tu seduziste no primeiro
encontro. Mas não me quero esquecer de ti. Não quero destapar o teu passado,
não pretendo que fales das tuas cicatrizes, ou do jeito de como pronúncias a
palavra amor, não. São 4 da manhã. Deixei-me levar pela vontade de esquecer.
Perdoa-me. Só desejo é que permaneças com o meu perfume nos teus lábios e os
meus beijos no teu corpo. Atraís-me. E é essa atração arriscada que me faz
querer mais de ti.
Toma conta de mim.
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